Sinto-me desconfortável sempre que leio
ou falo “Paralimpíada”. Essa palavra nada tem a ver com a nossa língua, pois
mutila a vogal de um radical e preserva a de um prefixo. É como dizer “parastesia”
em vez de “parestesia” (para + estesia), em que se mantém íntegro o radical de
“estesia”. Se alguma vogal tem que cair, é a do prefixo. “Parolimpíada” seria
mais aceitável.
O problema não é semântico; é morfológico,
com repercussões fonéticas. Nossa língua permite a formação de palavras novas
mediante o acréscimo de afixos ou radicais. Sempre que os prefixos ou radicais
terminam em vogal, e a palavra seguinte também começa por vogal, ocorre uma das
duas possibilidades: 1) cai a vogal do primeiro termo e preserva-se a do
segundo: psicastenia (psico + astenia), pseudencéfalo (pseudo + encéfalo), autarquia
(auto + arquia) etc; 2) mantêm-se as duas vogais (agora sem a necessidade do
hífen, que aparecia eventualmente): autoanálise (auto + análise), pseudoaleatório
(pseudo + aleatório), contrairritação (contra + irritação) etc. Há palavras em
que ocorrem as duas possibilidades (hidrelétrica, hidroelétrica).
Não há nenhum caso na língua em que se
mutile a palavra base, como ocorre em “Paralimpíada”. Quem não vê com
estranheza essa grafia, deve também achar naturais as formas: psicostenia,
pseudoncéfalo, autorquia, autonálise, pseudoleatório, contrarritação etc. Isso
é português?
Sei que a mutilação esdrúxula tem
razões políticas e, segundo dizem, ocorreu por influência do inglês. Isso é
pouco para que se estropie a mais natural e legítima instituição de um povo. Felizmente
tem havido resistência; os sites do UOL e da Folha de São Paulo, por exemplo, grafam
“Paraolimpíada” (conforme está no Aurélio).
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